terça-feira, novembro 30, 2004

O Dilema da Pequena Sereia

Nunca acreditei muito em “traumas de infância”.
Por isso, após uma tentativa falhada aos 16 anos decidi voltar ao mar de um modo que poucos de nós (e por nós entenda-se aqueles que não conseguem viver sem ele) têm oportunidade de fazer: através de um curso de mergulho (open water diver).
A “maravilhosa sensação que é conseguir respirar debaixo de água e sentirmo-nos livres, e blá, blá…” é bem verdade mas apenas depois de uns dez minutos no fundo do mar, porque enquanto ainda lutamos com o peso do equipamento, alguma sensação de aperto no peito e as memórias de uma experiência mal sucedida aquilo que pensei foi: “Lindo! Vinte e cinco anos, Timor Leste, duas instrutoras loiras debaixo de água, o melhor mar do mundo e eu, vou desmaiar…”!
Mas a paz finalmente reinou. Após umas manobras a 3 metros nadámos em direcção a barreira de coral. E aqui meus amigos o fascinio começa a fazer faltar as palavras e tudo o que queremos é trocar este mundo pelo outro.





P.S. Estive a um metro de Nemos como este e de tartarugas australianas...

segunda-feira, novembro 29, 2004

Se fosse em qualquer outro sítio talvez ficasse um pouco chateado…

Tinha marcada uma reunião para hoje às 09.00 com o Subdirector do Hospital Nacional de Dili para discutirmos a organização do país e do hospital em trauma e, esperava eu, dar os primeiros passos no sentido da criação de um Sistema de Trauma em Timor Leste.
Ainda com os olhos meios fechados apanhei boleia do Sr. Filomeno e às 08.45 estava no átrio do pequeno edifício. Um homem passeava de lata de insecticida na mão e a cada 2/3 metros participava no Plano Nacional de Erradicação da Malária enviando umas “sprayadelas” para um espaço que fica entre duas grandes portas abertas e para dentro de um gabinete fechado onde trabalhava uma senhora grávida. Ainda pensei tentar falar com ele mas…
Às 09.00, com uma pontualidade impecável, estava a entrar para dentro do gabinete do Enf. Benjamim, já com os olhos meios abertos.
Reparei que estávamos sozinhos (mau sinal para quem esperava mais médicos e enfermeiros na reunião).
Cheio de boa vontade e espírito empreendedor, pergunta-me: “Quando vai embora?”…”Então, poderíamos marcar ESTA reunião para a próxima semana, que o Sr. Director já cá está. Que acha? É que assim as coisas ficavam feitas mesmo em condições e também já cá estavam mais médicos.”
Disse: “Claro que sim. Também acho.”

Se fosse em qualquer outro sítio talvez ficasse um pouco chateado…

quarta-feira, novembro 24, 2004

A gente cá de casa

Caímos muitas vezes na tentação de despersonalizar as Instituições que usamos ou até mesmo as que servimos. Atribuímos quando muito a cargos (e não a pessoas) o sucesso de uma grande conquista ou a culpa (e não responsabilidade) de conflitos ou fracassos.
Em jeito de protesto, aqui está a gente que faz esta casa. Médicos e enfermeiros que vão e vêm (com missões de cerca de três meses), um Chefe de Missão (que fica entre 3 e 6 meses), um Estagiário de Medicina (como somos carinhosamente chamados) e os residentes - a D. Joaquina (que cozinha carne de bufalo como ninguém), a D. Maria, o Sr. Filomeno (tradutor), o Sr. Florêncio (o motorista mais calmo das ruas de Dili), o Natalino e o Martinho (os seguranças).
Nas próximas semanas vamos ter por cá a Enf.ª Fernanda, o Enf.º Daniel, o Dr. Vitaly e eu!

One dollar beach

Quando estamos em Timor, quase sem darmos por isso, olhamos para o lado e vemos cenários como este que só apetece pegar na tesoura e levar para casa.





Quem conhece a Casa em Construção já sabe como são os churrasquinhos do Major Machado: amigos, praia, a melhor carne de búfalo e frango e a fresquinha sempre ao lado.
A dois passos, uma barreira de coral no fundo de um mar quente onde tudo o que precisamos para ver os peixes mais bonitos do mundo é uma máscara, um tubo e um par de chinelos!

domingo, novembro 21, 2004

Lava uma mão...

O que acontece quando se juntam 60 crianças timorenses entre os 2 e os 6 anos, para verem um teatro feito por malais (os estrangeiros em Timor) que lhes vão ensinar a importância de lavar as mãos antes das refeições?!
Provavelmente:




Foi o meu primeiro ‘trabalho’.

quinta-feira, novembro 18, 2004

Timor

Encontrei uma cidade colada entre o calcanhar das montanhas e o mar onde há miúdos meios nús a correr descalços pelas ruas ou a vender cartões de telemóvel ou bananas e ananases em varas pelo ombro, onde há porcos e galos pelas ruas e onde o simples palácio presidencial fica apenas a umas dezenas de metros das casas do povo.
Vou passar aqui as próximas cinco semanas. É muito pouco para quem chegou aqui com aquela vontade naif de querer ajudar a mudar o mundo e já se apercebeu que a inércia de um povo adormecido não é fácil de mudar...

Um turista em Bali

Depois de umas semanas de silêncio estou de volta a este espaço de partilha.
O meu Curso sobre Sistemas de Trauma em Israel terminou. Balanço final: Nota 10!
Foram 4 semanas de uma intensidade fora do comum: seminários, workshops, simulações, visitas de estudo, turismo e sempre em constante partilha!
Após um dia a matar saudades em Portugal e trinta horas de viagem cheguei a Bali para, o que pensava que iria ser, um dia de prazer e descanso total antes de Timor.
Mas a Indonésia é, no mínimo, uma pequena armadilha para o turista que chega sem dormir; que não preencheu os papeis todos que devia; que tem que tem de esperar 15 minutos em duas filas; carregado com uma mochila cheia de livros e uma mala de computador; que lê repetidamente que a pena para quem tentar "importar" droga para a Indonésia é a morte; e que começa a ficar preocupado com a segurança do local da sua mala que, com toda a certeza, já não está no tapete com todas as outras malas...
Ora este turista, quando finalmente passa todo o controlo da fronteira, sem grande surpresa mas com alguma preocupação, constata que de facto já não há qualquer tapete de malas ainda rolar. Vai até ao fundo da pequena sala do aeroporto onde vê um grupo de cerca de 5 malas e outros tantos indivíduos locais, mas a sua mala, nada.
Então começa a extorsão. Um dos tipos rapidamente se oferece para ajudar enquanto pega num carrinho de aeroporto, dirige-se a um segundo grupo de malas, pega na mala do turista em questão, passa um segundo controlo de fronteira com ele (fazendo apenas um daqueles pequenos acenos com a cabeça ao polícia) e dirige prontamente o turista a uma casa de câmbio. Este, que pensava que ia poder usar os seus dólares no país, vê-se obrigado a comprar rupias, que não faz a mínima ideia do câmbio correcto.
Com 160000 rupias no bolso (aqui o turista não foi roubado: por um dólar compram-se 8000 rupias) o indivíduo pede agora descaradamente ao turista uma gorjeta pela grande ajuda que lhe deu. Este ainda desnorteado decide dar-lhe o bem menos precisoso que tem neste momento: euros; o seu azar é que a nota mais pequena que tem é de 20!
Depois, é encaminhado para uma cabine de táxis (sem poder escolher os azuis celeste, os mais honestos, que uns amigos lhe havia recomendado), compra uma viagem até ao hotel por 75000 rupias (ainda sem a noção de que quantia isto realmente é) e um segundo indivíduo (que o turista pensava ser o motorista do táxi) encaminha-o até ao veículo.
Umas dezenas de metros mais à frente, debaixo de um calor insuportável para o turista carregado (sim, que o turista jamais deixou de carregar e vigiar com sete olhos todas as suas malas), este chega próximo do táxi donde sai de dentro o motorista do táxi. Então o segundo indivíduo pede-lhe uma atençãozinha em euros mas o turista já não cai nessa, e despacha-o prontamente com 5000 rupias (convencido que é pouco dinheiro). Cansado, entra para o banco detrás do táxi na esperança de que mais nenhum dos simpáticos e prestáveis locais o tente roubar.
Depois de um abandono intempestivo num hotel errado, o turista apanha outro táxi e chega finalmente (agora com bastante convicção e rejeitando a ajuda dos empregados) ao seu destino.
Eis que tem pela primeira em quase três horas de estadia no novo país uma sensação de paz e bem estar. Diz a empregada do hotel num inglês muito castiço: "Esperamos que não se importe mas como estamos lotados (medo nos olhos turista) vai ficar instalado numa das nossas suites executivas."
Turista: ;)